Esta ponta da cidade é vulgarmente conhecida por Foz por se situar no término do rio Douro. Ainda assim, esta zona já teve o nome de São João da Foz numa referência ao padroeiro São João Batista.
Historicamente, até ao século XIX, esta área definiu-se como um povoado de pescadores bastante afastado das muralhas da cidade tal como outras aldeias ou lugares como Nevogilde, Massarelos ou Ramalde onde a sua importância quer a nível económico, quer demográfico, comparada com o Porto entre muralhas, era naturalmente pequena. Ainda assim, é de relevar que há documentação existente que demonstra que São João da Foz, ao longo do decorrer da história, foi tendo um maior número de fogos ou casais do que, por exemplo, Massarelos ou Nevogilde.
Sensivelmente nos meados do séc. XVI, toda esta área se transforma, se reconfigura com a chegada de D. Miguel da Silva. Não tendo casado e seguido a carreira eclesiástica, este ilustre teve uma influência demarcada tanto em Roma como na corte portuguesa. Foi embaixador de Portugal junto do V concílio de Latrão convocado pelo papa Júlio II e representante da coroa portuguesa junto da Santa Sé. Chegou a ser inclusivamente nomeado para cardeal pelos papas Leão X e Clemente VII. Conviveu com a fina sociedade de artistas e pensadores renascentistas italianos tendo ele mesmo desenvolvido conhecimentos nos campos da matemática e botânica. Foi um verdadeiro humanista intelectual.
De qualquer forma, esta notoriedade e prestígio criou em Portugal dissabor e oposição. Tendo introduzido a inquisição em território nacional em 1536, o “piedoso” e extremamente religioso D. João III, filho mais velho de D. Manuel I, ordenou o regresso de D. Miguel da Silva. Contrariado, com o intuito de o afastar o mais possível da corte em Lisboa, foi-lhe atribuído cargos de relevância: foi bispo de Viseu e comendatário do Mosteiro Beneditino de Santo Tirso do qual fazia parte o couto de São João da Foz.
Visionário, imbuído pelo sentimento renascentista, D. Miguel da Silva, juntamente com o arquiteto Francisco Cremonês que já tinha trabalhado na basílica de S. Pedro, decide levar a cargo um conjunto de edifícios no norte do país inclusive nesta zona.
O farol/capela de São Miguel O Anjo situa-se precisamente no embate, no confronto do Douro e o Atlântico. Junto a estas águas salobras e historicamente perigosas, este monumento classificado é um ícone no que diz respeito ao património ligado ao mar. Foi o primeiro farol a ser construído em Portugal.
Erguido em 1528 por D. Miguel, esta construção tanto tem um caráter utilitário/funcional, pois presta auxílio à entrada e saída de embarcações no Douro; como é um símbolo ímpar do renascimento em Portugal contrariando o cenário manuelino da época.
De uma base paralelepípeda e com uma cúpula oitavada, tem no seu interior uma imagem do arcanjo S. Miguel, homónimo de D. Miguel, de São João Baptista, padroeiro da paróquia da Foz e a S. Bento, patrono do Mosteiro de Santo Tirso. É de referir que foram construídos dois edifícios anexos ao farol. Em 1841 é construído o edifício da Corporação dos Pilotos da Barra do Douro. Em 1852, é construída a torre do semáforo.
Pode-se dizer que este monumento serve para homenagear a figura de D. Miguel da Silva que marcou a época tanto a nível local como regional.
Outros faróis e farolins foram, ao longo da história, mandados construir nesta zona para facilitar e balizar a passagem de embarcações.
Localizado na ermida da Nossa Senhora da Luz, igualmente mandada construir por D. Miguel da Silva em 1536, o farol da Luz ou da nossa Senhora da Luz foi erguido em 1761 a mando do Marquês de Pombal servindo de complemento ao farol de S. Miguel o Anjo. É de relevar que bastantes anos mais tarde, durante o Cerco do Porto, através do molhe de Carreiros localizado já na Foz Nova, foi fundamental para o desembarque de liberais, assim como, o abastecimento da cidade visto que o rio Douro era controlado pelos miguelistas. Manteve-se em funcionamento até 1927.
Outro exemplo é o farolim das Sobreiras posicionado no monte das Sobreiras onde está situado a ANJE (Associação Nacional de Jovens Empresários) a sensivelmente 560 metros do farol S. Miguel o Anjo. Atualmente só é possível encontrar o local visto que o farolim foi movido para o farol da Boa Nova em Leça para exposição em 2006. Julga-se que o farolim original deve ter sido construído no séc. XVIII. Era igualmente conhecido por Farol das três orelhas ou farol dos três bicos visto ter por trás um muro com três ameias bastante semelhante a uma muralha de uma fortaleza. Aqui é possível visualizar onde diz “Bar Mark”.
Segundo o historiador e jornalista Germano Silva, este farolim era também correntemente identificado como a Marca Nova visto que outrora existiu uma Marca Velha ou também conhecida como Torre da Marca. Consistia numa torre, numa estrutura de pedra consideravelmente alta para se conseguir avistar ao longe - especialmente depois da curva do monte do Candal vindo do Atlântico. Posicionada onde agora está o Palácio de Cristal, substitui um pinheiro de elevada altura que servia a mesma função. Tanto a torre como o antecessor pinheiro são quase tão antigos como o farol São Miguel o Anjo. Segundo documentação disponível, o pinheiro cai em 1533 e a torre é erguida em 1542. Este último esteve de pé até ao Cerco do Porto.
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